Viajámos até ao concelho de Alter do Chão, no “coração do Alentejo” e passada a rotunda onde um monumento com um imponente cavalo dá as boas vindas e contornando o castelo a cerca de 4 Km da Vila, chegamos à Tapada do Arneiro, e a 267 anos de história; a designação da herdade onde está localizada a Coudelaria de Alter, sendo uma propriedade integralmente murada, com uma área aproximada de 800 ha, com um notável património natural de grande valor paisagístico, florístico e faunístico, disponibilizando ainda a fruição de circuitos arqueológicos e diversos motivos de interesse histórico-cultural e ambiental, que contribuem para que a Coudelaria de Alter seja um ponto de passagem obrigatório no Alto Alentejo. Ao longo dos 267 anos a nível organizacional este património do Estado e de todos nós, conheceu diferentes formas organizacionais, mas sempre, entre outros com o mesmo objectivo – criação do cavalo lusitano; preservar e valorizar o património genético e cultural que a Coudelaria de Alter encerra e simboliza.
Assim e já depois do virar do milénio foi extinto, pelo Decreto-Lei n.º 48/2007, o Serviço Nacional Coudélico e foi instituída a Fundação Alter Real, mas passados seis anos, pelo Decreto-Lei n.º 109/2013 de 1 de Agosto foi extinta a Fundação Alter Real e transferido o património mobiliário e imobiliário da Coudelaria de Alter, assim como a sua manutenção, preservação e exploração para a Companhia das Lezírias, SA, que passa a reunir, esta entidade pública, as Coudelarias de Alter, Nacional e da Companhia das Lezírias, facilitando a implementação e o desenvolvimento de uma política única equina. A história das duas Coudelarias – Alter Real (AR) e Nacional (CN) – não podem ser desligadas da História de Portugal e representam um património cultural que importa preservar e divulgar. Visitar e conhecer, é deveras enriquecedor.
A RAÇA LUSITANA
Somos recebidos pelo engenheiro zootécnico e apaixonado pelos cavalos, Francisco Beja, responsável pela produção animal, nascido no coração do Ribatejo – Santarém, que se dedica com profissionalismo e paixão, na Tapada do Arneiro, à coudelaria e às éguas de ventre da Coudelaria de Alter, que são exploradas num regime semi-extensivo, ou seja, pastam em liberdade sendo recolhidas de manhã a fim de ser administrado o complemento alimentar e ser feito o controlo reprodutivo. Na Tapada o efectivo animal ronda os 300 animais, sendo as éguas cerca de sessenta e de cujos ventres nascerão, após inseminação artificial com sémen recolhido dos melhores cavalos, os sucessores da espécie, que são os “embaixadores do cavalo no mundo” e dignificam o nome de Portugal.
A vinda das éguas, do campo para o monte, é um acontecimento marcante, esperando-se a novidade de ter havido partos durante a noite e poder observar-se os recém nascidos em simultâneo com as mães. Os nascimentos ocorrem a partir de Janeiro e prolongam-se até princípios de Maio ficando os poldros, este período, sempre acompanhados das respectivas progenitoras. Francisco Beja conhece os animais todos pelo seu nome, e basta aproximar-se dos mesmos no campo que notamos logo uma familiaridade entre a égua, e quem todos os dias as rodeiam. O som dos chocalhos em cadência ecoa por entre sobreiros e azinheiros e o chão é rebuscado de cada bolota que cai das árvores. Francisco Beja vai-nos desvendando os segredos “ tudo no cavalo tem que ser tratado e olhado como um atleta de alta competição, o respeito que temos que ter pelo cavalo e pelo atleta tem que ser rigorosamente o mesmo. A nutrição, o acompanhamento veterinário, o ferrador, existe aqui quase um triângulo amoroso, onde o binómio que está no meio ( cavalo/cavaleiro) em que num vértice tem o veterinário, no outro o ferrador e no outro vértice o criador ou proprietário”. Regressado de uma presença no Salão do Cavalo de Marrocos de El Jadida (antiga Mazagão). Francisco Beja, de 36 anos de idade vai-nos falando enquanto não pára um segundo, falando com o tratador, olhando égua a égua, os pastos, a fonte de alimentação proteica natural que são os “chaparros” e continua “isto são elos de uma corrente e se quebrar o elo, não existem resultados desportivos e as coisas vão acabar por se desmoronar. Tem que haver, aqui, uma cumplicidade sã entre todos estes intervenientes, que dão o sucesso final e o sucesso final é conseguirmos fazer com que cavalos nossos cheguem ao topo da competição na modalidade mais representativa do PSL, através das provas mais importantes no mundo equestre como os Jogos Olímpicos ou aos Jogos Equestres Mundiais”. E registe-se com sucesso a Coudelaria de Alter já teve um cavalo, o Rubi, nos Jogos Olímpicos de Londres 2012, bem como nos Jogos Equestres Mundiais e campeonato da Europa e espera ter outro cavalo Alter Real nos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro de 2016 de nome Viheste.
“Vivemos num sonho permanente e em termos zootécnicos sabemos que um cavalo X com a égua Y dá um cavalo lusitano que pode ter um valor. O chegarmos ao campo e ver um poldro nascido, ou à cavalariça, estamos constantemente a alimentar o sonho – será que é desta? O nosso objetivo é melhorar o nível médio dos animais. O cavalo é uma espécie pecuária mas muitíssimo diferente de todas as outras e é medida pela performance desportiva ao contrário das outras espécies como por exemplo nas galinhas pelo número de ovos que põem, vacas pelos litros de leite ou quilos de carne ou porcos pelo número de leitões e quilos de carne. O cavalo é avaliado pela performance desportiva. É também um cavalo de lazer, e nós nisso temos um vasto mercado porque o cavalo lusitano é um cavalo muito afável, muito próximo, de grande docilidade, de grande sujeição e versatilidade e encaixa com estes atributos, mas… mas somos mais ambiciosos e depois destacam-se alguns animais que chegam a altos patamares de performance desportiva. A nossa vocação está na dressage no ensino de competição, que é a modalidade base”
A Coudelaria de Alter presente nas mais importantes feiras internacionais da temática do cavalo, cumpre segundo Francisco Beja o protocolo de Estado, representa Portugal e depois dá a conhecer o “produto cavalo lusitano” e regista “ temos que chegar a mercados internacionais, com mais expansão do que o fizemos até agora. Infelizmente existem muitas barreiras sanitárias para chegar a mercados como a China, Médio Oriente, América do Norte, África do Sul. Estas barreiras têm de ser ultrapassadas para que a raça tenha efetivamente expansão mundial. Há muita gente no mundo que conhece o nosso cavalo e temos aqui um objetivo de base e de fundo – preservar o nosso património, esse é o nosso papel principal e para o qual trabalhamos todos os dias. Somos só um grão de areia dentro da ampulheta de tempo do que é Coudelaria de Alter”.
Atividade de paixão pela sua ligação ao mundo rural desde pequeno, Francisco Beja, fala-nos com emoção e brilho nos olhos de fazer aquilo que gosta e na Faculdade desperta-lhe o gosto pela parte animal e na parte animal entendeu, segundo nos diz- cavalos é que é. O seu trabalho de fim de curso tem a ver com a reprodução e ligação à Faculdade de Medicina Veterinária, através de trabalhos científicos no início laboral e o “bichinho” ficou. O cavalo representa um valor patrimonial ativo, como tem o valor ativo da produção do seu sémen e a sua venda. O valor do sémen de um cavalo de competição varia entre os mil e os dois mil euros. Este é o valor que terá de pagar qualquer criador pela inseminação de uma égua com sémen de um garanhão que dará “direito” a um poldro.
“Sou um apologista que o Estado devia ser um fornecedor do próprio Estado e falamos dos cavalos que o estado necessita e que recorre a concursos públicos para a sua compra quando o próprio Estado é criador de equinos”. A seu ver deveria haver um protocolo entre o Ministério da Administração Interna, da Defesa e Agricultura, pois se já tem a responsabilidade de preservar o património que possui, o juntar essa mais valia à necessidade efetiva de animais e neste caso os cavalos que o Estado necessita, seria ótimo,. Embora reconhecendo que as entidades já reconhecem a mais valia em comprar cavalos das Coudelarias públicas.
Registe-se que a GNR (Guarda Nacional Republicana), é um exemplo no mundo da formação a cavalo. A Jordânia, o Qatar, Omã e Marrocos reconheceram que não conseguem fazer os seus esquadrões de guarda sem este tipo de cavalo –e sem a experiência da GNR que tem formado militares destes países.. Esta capacidade de entrega só existe no puro cavalo lusitano. Regista Francisco Beja “o cavaleiro pensa e o cavalo executa” é a apoteose do binómio cavaleiro / cavalo , e o fator diferenciador do puro sangue lusitano”. E já nos pergaminhos reais desta casa El Rei mandava publicar para não restarem dúvidas e garante da raça “Que se conserve sempre pura esta raça” 12 de Dezembro de 1812 “Que não se consinta que pessoa alguma se intrometa com o que pertence às manadas e suas pastagens”
Hoje como há quase três séculos a Coudelaria de Alter percorre o caminho que se dirige em exclusivo ao cavalo mas que passa, também, pelo desenvolvimento sócio-económico cultural e turístico do norte alentejano.
A 2 de Agosto de 2013, a Coudelaria de Alter passou a ser gerida pela Companhia das Lezírias, SA, tendo-lhe sido atribuída através de delegação de competências de serviço público, a preservação do património genético animal da raça lusitana, quer na linha genética da Coudelaria Nacional, quer na linha Alter Real.
Texto e Imagem: Jornal Mundo Portugues
Comentários
Enviar um comentário