DN - "Juan José Padilla: o Pirata das arenas que diz estar nas mãos de Deus"

Juan José Padilla posa na arena do Campo Pequeno
REINALDO RODRIGUES/GLOBAL IMAGENS
É um dos toureiros mais conhecidos do mundo. Já foi operado umas 20 vezes, perdeu um olho e tem 50% de audição

"O sofrimento é a outra face da glória." Esta frase pode ter muitos significados, mas sendo a divisa de Juan José Padilla ganha uma dimensão que justifica a fama mundial que o toureiro espanhol tem numa profissão em que surge como um dos seus grandes nomes.

Padilla, que na quinta-feira foi uma das estrelas da noite na abertura da temporada na Praça do Campo Pequeno, já era reconhecido pelos aficionados de corridas de touros como um dos grandes valores desta arte - para muitos, sendo certo que para outros tantos não passa de uma prática que devia ser proibida em Portugal. Mas a fama deste homem que nasceu a 23 de maio de 1973 em Jerez de La Frontera (Espanha) ganhou uma dimensão planetária quando foi violentamente colhido em outubro de 2011. Nesse dia lidava na praça de Saragoça quando depois de ter espetado duas bandarilhas no touro caiu. O animal espetou-lhe um corno na face arras- tando-o durante breves instantes. Padilla levantou-se, mas rapidamente se percebeu que a colhida era grave, como as imagens que se podem ver em vídeos no YouTube demonstram. Mais tarde esses receios foram confirmados: perdeu o olho esquerdo, ficou com menos 50% de audição no ouvido direito, além de outras lesões.
A verdade é que dez dias depois, numa conferência de imprensa, garantiu que iria voltar às arenas. O que aconteceu cinco meses depois, em março de 2012.

Foi, provavelmente, nesse dia que este natural da Andaluzia conquistou quem ainda não pensava nele como um herói das arenas. O regresso ficou também marcado pelo surgimento da que passou a ser a sua imagem de marca: a pala negra na cara. Assim, Juan José Padilla deixou de ser o Ciclone de Jerez, como era conhecido desde que em julho de 1994 tomou a alternativa na sua terra natal, para ganhar o cognome de o Pirata.

Este episódio foi o mais difícil até ao momento do homem que tem tido uma vida profissional em que glória e sofrimento estão lado a lado. Padilla já toureou em mais de cinco centenas de corridas e já sofreu perto de 40 cornadas. Mesmo assim mantém-se na arena e conquista o público, como aconteceu na quinta-feira na corrida em Lisboa, onde deu cinco voltas à arena e saiu em ombros pela porta grande da praça. Mostrando ser mesmo um símbolo de um espetáculo que tem vindo a perder público em Portugal desde pelo menos 2007. Nesse ano foram 620 mil as pessoas que assistiram a touradas em Portugal, enquanto no ano passado os dados da Inspeção-Geral das Atividades Culturais mostram que se ficaram pelas 362 mil os espectadores que marcaram presença nos vários espetáculos tauromáquicos.

"O medo é o teu companheiro"

Horas antes desse momento de glória, esteve na arena do Campo Pequeno. Chegou à praça pouco depois das 11 da manhã, em passo rápido saindo da carrinha em que viajou toda a noite. Entrou no edifício que conhece bem e foi cumprimentando quem via. Depois foi ao centro da arena no seu traje "civil" olhando em redor e posando para as fotos.

Já sentado num dos bancos de uma das bancadas, Padilla fala sobre a sua vida, que está ligada aos touros desde os 7 anos. "Desde pequeno que gosto do ambiente taurino, acompanhava o meu pai", recorda.

Ao longo de 20 anos de lides já foi colhido quase quatro dezenas de vezes, foi submetido a inúmeras operações, mas volta sempre a pisar a terra que cobre a arena. Qual a razão para esta insistência? Não tem o toureiro que repartiu a praça lisboeta com Roca Rey, João Moura e os Forcados Amadores de Vila Franca de Xira receio? "O medo sente-se antes, durante e depois [das lides]. O medo é o teu companheiro. Mas esta é uma situação de risco, de circunstâncias que não podes controlar. É tão natural, tão viva", sublinha. "Não vais para uma praça a pensar que vai acontecer uma desgraça. Logicamente que vais sempre dar o máximo pela tua profissão", acrescenta o toureiro espanhol. Que diz ter aprendido desde pequeno que "o toureiro tem dificuldades, mas também tem a sua glória. Sempre percebi que a profissão não era fácil, mas que tem uma grande compensação. Sempre fui recompensado pelo esforço, pela superação, pelo sacrifício".

Padilla tem dois filhos, mas nem essa ligação familiar o faz recuar na vontade de enfrentar os touros. "Eles estão muito conscientes da profissão do pai. Evidentemente que sofrem, mas têm conhecimento do sacrifício do pai, mas sentem-se orgulhosos e são felizes por verem que o pai desfruta da profissão", frisa, sublinhando que a filha Paloma assiste a corridas ao vivo, enquanto o filho mais novo, Martim, fica no hotel com a mãe, Lydia.

Perante tal força de vontade falar em reforma com este matador é quase tempo perdido: "Não tenho motivos para isso. Se estou lesionado, faz parte da profissão. Sinto-me forte e com muitas coisas para fazer."

E sobre ser um herói para quem segue o tema? "Eu não faço nada que outro homem não possa fazer. Sou é uma pessoa com muita vontade de estar na minha profissão, na minha vida. E tenho como objetivo conseguir a glória." E talvez seja esta força que o faz voltar às arenas após cada cornada. Isso e a fé: "Deus dá-me muitos motivos para ser feliz. E isso creio que é fundamental. Deixo-me nas mãos de Deus."

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