Fábio Machado dá Entrevista ao "Mirante.pt"

Fábio Ricardo Machado, 33 anos, é bandarilheiro de Vila Franca de Xira
A festa de toiros em Portugal está viciada e os aficionados é que pagam

Aos 12 anos entrou na Escola José Falcão e tornou-se num dos bandarilheiros mais estimados de Vila Franca de Xira, à conta de muito empenho e sacrifício. É um aficionado com raça que lamenta que as gentes da terra não entrem tantas vezes na Palha Blanco como deviam. Vê com tristeza o estado da tauromaquia e os jogos de interesses dos bastidores. Diz que hoje em dia a festa de toiros está “viciada” e quem paga com isso são os espectadores. Não hesita em dizer que os taurinos estão a fazer um melhor trabalho a destruir a festa do que os próprios grupos de defesa animal.

A festa de toiros em Portugal e na região está “viciada” por causa dos interesses e jogos de bastidores entre as figuras e isso prejudica o espectáculo que é servido aos aficionados. Em vez de ser premiado e distinguido o mérito, é favorecida a troca de favores entre empresários, apoderados e toureiros. O lamento é de Fábio Ricardo Machado, bandarilheiro de Vila Franca de Xira que conhece bem o meio e é considerado pelos seus pares como uma jovem revelação.

“Não há mérito na festa hoje em dia e a festa está viciada. As coisas estão a funcionar por trocas de favores e não por mérito, infelizmente. E quem perde com isso é o espectador. Quem vai acabar com a festa não vão ser apenas os anti-taurinos, vão ser sobretudo os que estão dentro da festa, que acabam por prejudicar toda a gente. No meio disto tudo o toiro é o mais sincero”, revela.

O bandarilheiro lembra que em Espanha as coisas não funcionam assim e que se uma determinada figura faz uma boa actuação numa praça é convidada a repetir o espectáculo. “Cá em Portugal isso não acontece. Fico muito triste por isso acontecer e vejo com preocupação que o futuro das corridas de toiros esteja cada vez mais comprometido”, confessa a O MIRANTE.

Fábio lamenta que o papel do bandarilheiro ainda não seja suficientemente reconhecido no país e que da centena e meia de bandarilheiros existentes em Portugal só “cinco ou seis” consigam treinar diariamente. “É muito difícil saírem bandarilheiros muito bons sem treinarem. A pessoa tem de dedicar-se muito a isto, eu sempre me esforcei, dediquei, mantive o peso, porque é uma profissão em que não se tem de estar só preparado fisicamente como também mentalmente. Há quem pense que é fácil, por darmos meia dúzia de lances, mas não é. Quando saem toiros difíceis somos nós que temos de dar a cara e colocar o toiro em condições. Quando nós falhamos toda a gente dá por isso”, diz.

Para tentar inverter a situação Fábio já organizou, por seis vezes, festivais de bandarilheiros destinados, também, a homenagear figuras do capote que marcaram gerações e que hoje estão praticamente esquecidas. Na última edição em Vila Franca de Xira, o ano passado, a dois dias do espectáculo já tinham sido vendidos 400 bilhetes mas a chuva forte ditou o cancelamento. Fábio promete novidades sobre a eventual reedição em breve.

“Os vilafranquenses não vão à Palha Blanco tantas vezes como deviam. Acredito que a praça terá mais gente quando for tapada e transformada num recinto multiusos, onde se possam fazer muitas coisas, como espectáculos, concertos ou apresentações de sevilhanas. Este é um sítio ventoso. Se as pessoas pagam um bilhete querem estar confortáveis, querem ver um espectáculo em condições, já não exigem só qualidade na corrida como também exigem conforto na praça”, nota.

Toiro tem de sangrar na arena

Para Fábio Machado a ideia de adaptar em Portugal os métodos de toureio que já se usam no Canadá ou na Califórnia (Estados Unidos), em que os toiros são cobertos com uma manta e são usadas bandarilhas de velcro para não magoar os animais, não resultam. “As pessoas não gostam de ver sangue mas ele é importante numa lide. Se o toiro não sangrar congestiona-se, corre até morrer. Toureei no Canadá e na Califórnia e vi toiros a morrer na arena e nos curros por asfixia, por não sangrarem. Quando o toiro é sangrado pode vir abaixo de rendimento físico mas também pode melhorar e vir acima, há toiros que estão sempre a ficar mais agressivos em vez de ficarem dóceis. Se fizerem essas alterações isso vai ser o princípio do fim da festa. Com a força que estão a ter os movimentos anti-taurinos não sei que futuro nos espera”, critica.

A associação Pró-Toiro registou, no último ano, um crescimento de público nas praças e o bandarilheiro vilafranquense elogia. “Eu próprio fui a praças que não pensava que iam esgotar. É um bom indicador, mas talvez seja apenas porque as pessoas têm mais desafogo financeiro. Os anos de 2011 a 2014 foram muito maus para a tauromaquia”, lamenta.

Para Fábio Machado a intenção do Governo em colocar os municípios a referendar a festa brava vai ser “muito mau” e não deve ser feito de ânimo leve. Não hesita em dizer que em Vila Franca de Xira o “sim” ganharia “sem sombra de dúvida” mas teme que noutros pontos do país, sem tradição taurina, o mesmo não aconteça.

“Aqui no Ribatejo não há hipótese da tauromaquia acabar. Mas a nossa afición não se resume apenas a esta zona, há corridas por todo o país. 70 por cento das cidades se calhar não são tão aficionadas e referendar não é uma boa ideia. Vamos supor que VFX acabava com as corridas de toiros e essa tradição. O que seria de VFX? Com o que é que nos íamos identificar? Com nada. As pessoas identificam VFX como a terra das touradas, se perdermos essa tradição a terra não tem identidade, não há nada que chame as pessoas. Estamos a falar de tradições com muitos anos, não se pode acabar com elas de forma leviana”, refere.

O bandarilheiro elogia o papel da câmara na defesa que tem feito da festa brava e pela forma como tem investido nas festas do Colete Encarnado e Feira de Outubro. Diz que o Museu da Tauromaquia vai ser uma mais-valia para a cidade. Mas confessa que gostava de ver a cidade a homenagear, além dos toureiros e matadores, também os bandarilheiros que ao longo dos anos foram fazendo parte da festa. “Há bandarilheiros da cidade como o João José, por exemplo, que está retirado e teve toda a vida ligado a isto, tem imensas histórias para contar e muito espólio importante para mostrar”, exemplifica.

Trabalhou nas obras, dormiu no carro e aparece em novelas

O percurso de Fábio Machado é repleto de sacrifício, ambição e paixão pela festa brava. Os avós viviam no Cabo da Lezíria e foi criado no ambiente dos toiros e dos cavalos. Depois dos avós morrerem aceitou o convite de uma amiga para entrar na escola de toureio José Falcão, à data comandada pelo maestro José Júlio, a quem Fábio diz estar “eternamente” grato.

“O primeiro dia na escola foi mágico, foi como se aquilo me preenchesse como pessoa, nunca mais consegui largar isto”, explica. Com o maestro aprendeu o respeito às pessoas e aos toureiros. Diz que hoje as novas figuras “não têm respeito” pelos matadores e pelas figuras do toureio. Começou como bezerrista e em 2000 tirou a alternativa de novilheiro em Azambuja. “Na altura era mais difícil que agora, as novilhadas hoje são mais cuidadas, não são com novilhos de 500 quilos. Eu tive de enfrentar um toiro Ernesto Castro com cinco anos”, recorda.

Passou sete anos como novilheiro na escola José Falcão e depois decidiu rumar a Badajoz para continuar a evoluir. Trabalhava nas obras de semana para ter dinheiro. A mãe fazia-lhe a marmita e Fábio arrancava para Espanha, dormindo dentro do carro durante o fim-de-semana, para poder treinar com os seus pares espanhóis. “Havia noites em que o frio era tão grande que tinha de ligar o carro e o aquecimento para me aquecer, porque não aguentava mais. Foi uma vida dura”, recorda, que durou dois anos.

Viveu em Madrid com o matador Nuno Casquinha e regressou a Portugal onde, em 2007, tirou a alternativa de bandarilheiro no Colete Encarnado. Desde então tem toureado com várias figuras, a pé e a cavalo. “Costumo sair mais com matadores do que cavaleiros. Sempre quis estar ligado ao toureio a pé e identifico-me mais com esse método. É muito mais difícil ser bandarilheiro de toureio a pé do que a cavalo. Mas o toureio a cavalo também é muito respeitado e também tenho saído com algumas figuras. Há um preconceito errado dos bandarilheiros de pé não poderem sair com os cavaleiros, mas isso está a mudar”, garante.

Fábio Machado já esteve fixo, por exemplo, com João Moura, mas no ano passado saiu com Paco Velasquez, Juan Jose Padilla e Pedrito de Portugal. Actualmente vai saindo com quem o chama. Devido ao impasse em que se encontra a carreira na festa brava, está num ponto de viragem na sua vida, não sabendo ainda qual será o seu futuro. Está também a fazer figuração em novelas dos três principais canais nacionais e trabalho não lhe falta, inclusive no ramo da publicidade televisiva. “Estou a gostar imenso, é um projecto que estou a levar a sério, ter formação com actores, estou a aplicar-me bastante. Se aparecer um papel importante numa novela poderei deixar de tourear, mas a afición vai estar sempre dentro de mim”, confessa.

Falsidade e mentira tiram-no do sério

Fábio Ricardo Machado nasceu em Lisboa mas vive em Vila Franca de Xira desde a infância. Tem 33 anos e ainda hoje reside na cidade. Gosta do ambiente dos toiros e das festas da cidade, das suas gentes e do forte sentimento de união da comunidade. Só não gosta que, por vezes, as pessoas se metam nos assuntos das outras sem razão. “Apesar de ser uma cidade é uma terra onde tudo se sabe”, confessa.

Separado e com um filho de quatro anos, diz que ele é o seu maior orgulho. O seu sonho é dar ao filho um futuro melhor e, de preferência, sem os sacrifícios que o pai passou. O bandarilheiro David Antunes é uma das suas referências, mas confessa ter uma grande lista de pessoas da cidade pelas quais tem imenso respeito e admiração, entre bandarilheiros, toureiros e forcados.

Antes de entrar na arena reza a Deus por protecção e todos os dias antes de se deitar agradece o dia. “Passamos muitos nervos antes de entrar numa praça. Nessas alturas são momentos nossos, queremos silêncio, estar concentrados, o vestir é um ritual que temos de estar concentrados e a pensar no que vamos fazer, é uma coisa só nossa”, explica. Já apanhou grandes sustos na arena e algumas cornadas, na perna e mão.

Vai de carro para o trabalho, faz compras no comércio da cidade e fica triste por ver o Vila Franca Centro fechado e ao abandono. É benfiquista mas a sua cor favorita é o azul. Gosta de aprender e ver documentários que o enriqueçam. A falsidade e a mentira tiram-no do sério. Confessa-se uma pessoa decidida e aventureira, embora não tenha uma viagem de sonho porque tem medo de andar de avião. “Ganhei medo na última vez que fui à Califórnia, estava na casa de banho quando apanhámos poços de ar e pensei que o avião ia cair, entrei em stress. As viagens de avião para mim são um sacrifício”, conta com um sorriso.

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