Coudelaria de Alter no "Mundo Português"

Imagem A fundação da Coudelaria de Alter em Portugal não foi um ato ocasional e isolado. Surgiu como corolário lógico de um tempo histórico e de uma política coudélica, personificados em D. João V, o Rei Magnânimo. A ordem da Junta do Estado e Casa de Bragança, de 9 de Dezembro de 1748, marca a fundação da Coudelaria de Alter, e tem o significado simbólico de “Registo “da Tapada do Arneiro como “Solar“ do cavalo de Alter-Real, e o documento fundacional da Coudelaria de Alter foi emitido por D.João V. É ao Rei D. José I que, quase inteiramente, cabe o mérito da es-truturação da Coudelaria de Alter.

Viajámos até ao concelho de Alter do Chão, no “coração do Alentejo” e passada a rotunda onde um monumento com um imponente cavalo dá as boas vindas e contornando o castelo a cerca de 4 Km da Vila, chegamos à Tapada do Arneiro, e a 267 anos de história; a designação da herdade onde está localizada a Coudelaria de Alter, sendo uma propriedade integralmente murada, com uma área aproximada de 800 ha, com um notável património natural de grande valor paisagístico, florístico e faunístico, disponibilizando ainda a fruição de circuitos arqueológicos e diversos motivos de interesse histórico-cultural e ambiental, que contribuem para que a Coudelaria de Alter seja um ponto de passagem obrigatório no Alto Alentejo. Ao longo dos 267 anos a nível organizacional este património do Estado e de todos nós, conheceu diferentes formas organizacionais, mas sempre, entre outros com o mesmo objectivo – criação do cavalo lusitano; preservar e valorizar o património genético e cultural que a Coudelaria de Alter encerra e simboliza.

Assim e já depois do virar do milénio foi extinto, pelo Decreto-Lei n.º 48/2007, o Serviço Nacional Coudélico e foi instituída a Fundação Alter Real, mas passados seis anos, pelo Decreto-Lei n.º 109/2013 de 1 de Agosto foi extinta a Fundação Alter Real e transferido o património mobiliário e imobiliário da Coudelaria de Alter, assim como a sua manutenção, preservação e exploração para a Companhia das Lezírias, SA, que passa a reunir, esta entidade pública, as Coudelarias de Alter, Nacional e da Companhia das Lezírias, facilitando a implementação e o desenvolvimento de uma política única equina. A história das duas Coudelarias – Alter Real (AR) e Nacional (CN) – não podem ser desligadas da História de Portugal e representam um património cultural que importa preservar e divulgar. Visitar e conhecer, é deveras enriquecedor.

A RAÇA LUSITANA
Somos recebidos pelo engenheiro zootéc­nico e apaixonado pelos cavalos, Francis­co Beja, responsável pela produção animal, nascido no coração do Ribatejo – Santarém, que se dedica com profissionalismo e pai­xão, na Tapada do Arneiro, à coudelaria e às éguas de ventre da Coudelaria de Alter, que são exploradas num regime semi-extensivo, ou seja, pastam em liberdade sendo recolhi­das de manhã a fim de ser administrado o complemento alimentar e ser feito o contro­lo reprodutivo. Na Tapada o efectivo animal ronda os 300 animais, sendo as éguas cer­ca de sessenta e de cujos ventres nascerão, após inseminação artificial com sémen reco­lhido dos melhores cavalos, os sucessores da espécie, que são os “embaixadores do cavalo no mundo” e dignificam o nome de Portugal.

A vinda das éguas, do campo para o mon­te, é um acontecimento marcante, esperan­do-se a novidade de ter havido partos du­rante a noite e poder observar-se os recém nascidos em simultâneo com as mães. Os nascimentos ocorrem a partir de Janeiro e prolongam-se até princípios de Maio fican­do os poldros, este período, sempre acom­panhados das respectivas progenitoras. Fran­cisco Beja conhece os animais todos pelo seu nome, e basta aproximar-se dos mesmos no campo que notamos logo uma familiarida­de entre a égua, e quem todos os dias as ro­deiam. O som dos chocalhos em cadência ecoa por entre sobreiros e azinheiros e o chão é rebuscado de cada bolota que cai das árvo­res. Francisco Beja vai-nos desvendando os segredos “ tudo no cavalo tem que ser tratado e olhado como um atleta de alta competição, o respeito que temos que ter pelo cavalo e pelo atleta tem que ser rigorosamente o mes­mo. A nutrição, o acompanhamento veteriná­rio, o ferrador, existe aqui quase um triângulo amoroso, onde o binómio que está no meio ( cavalo/cavaleiro) em que num vértice tem o veterinário, no outro o ferrador e no outro vér­tice o criador ou proprietário”. Regressado de uma presença no Salão do Cavalo de Marro­cos de El Jadida (antiga Mazagão). Francis­co Beja, de 36 anos de idade vai-nos falando enquanto não pára um segundo, falando com o tratador, olhando égua a égua, os pastos, a fonte de alimentação proteica natural que são os “chaparros” e continua “isto são elos de uma corrente e se quebrar o elo, não existem resultados desportivos e as coisas vão aca­bar por se desmoronar. Tem que haver, aqui, uma cumplicidade sã entre todos estes inter­venientes, que dão o sucesso final e o suces­so final é conseguirmos fazer com que cava­los nossos cheguem ao topo da competição na modalidade mais representativa do PSL, através das provas mais importantes no mun­do equestre como os Jogos Olímpicos ou aos Jogos Equestres Mundiais”. E registe-se com sucesso a Coudelaria de Alter já teve um ca­valo, o Rubi, nos Jogos Olímpicos de Londres 2012, bem como nos Jogos Equestres Mun­diais e campeonato da Europa e espera ter outro cavalo Alter Real nos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro de 2016 de nome Viheste.

“Vivemos num sonho permanente e em termos zootécnicos sabemos que um cavalo X com a égua Y dá um cavalo lusitano que pode ter um valor. O chegarmos ao campo e ver um poldro nascido, ou à cavalariça, es­tamos constantemente a alimentar o sonho – será que é desta? O nosso objetivo é me­lhorar o nível médio dos animais. O cavalo é uma espécie pecuária mas muitíssimo di­ferente de todas as outras e é medida pela performance desportiva ao contrário das ou­tras espécies como por exemplo nas galinhas pelo número de ovos que põem, vacas pelos litros de leite ou quilos de carne ou porcos pelo número de leitões e quilos de carne. O cavalo é avaliado pela performance desporti­va. É também um cavalo de lazer, e nós nisso temos um vasto mercado porque o cavalo lu­sitano é um cavalo muito afável, muito próxi­mo, de grande docilidade, de grande sujeição e versatilidade e encaixa com estes atributos, mas… mas somos mais ambiciosos e depois destacam-se alguns animais que chegam a altos patamares de performance desportiva. A nossa vocação está na dressage no ensi­no de competição, que é a modalidade base”

A Coudelaria de Alter presente nas mais importantes feiras internacionais da temáti­ca do cavalo, cumpre segundo Francisco Beja o protocolo de Estado, representa Portugal e depois dá a conhecer o “produto cavalo lu­sitano” e regista “ temos que chegar a mer­cados internacionais, com mais expansão do que o fizemos até agora. Infelizmente exis­tem muitas barreiras sanitárias para chegar a mercados como a China, Médio Oriente, América do Norte, África do Sul. Estas barrei­ras têm de ser ultrapassadas para que a raça tenha efetivamente expansão mundial. Há muita gente no mundo que conhece o nosso cavalo e temos aqui um objetivo de base e de fundo – preservar o nosso património, esse é o nosso papel principal e para o qual traba­lhamos todos os dias. Somos só um grão de areia dentro da ampulheta de tempo do que é Coudelaria de Alter”.

Atividade de paixão pela sua ligação ao mundo rural desde pequeno, Francisco Beja, fala-nos com emoção e brilho nos olhos de fazer aquilo que gosta e na Faculdade des­perta-lhe o gosto pela parte animal e na par­te animal entendeu, segundo nos diz- cava­los é que é. O seu trabalho de fim de curso tem a ver com a reprodução e ligação à Fa­culdade de Medicina Veterinária, através de trabalhos científicos no início laboral e o “bi­chinho” ficou. O cavalo representa um valor patrimonial ativo, como tem o valor ativo da produção do seu sémen e a sua venda. O valor do sémen de um cavalo de competição varia entre os mil e os dois mil euros. Este é o valor que terá de pagar qualquer criador pela insemi­nação de uma égua com sémen de um gara­nhão que dará “direito” a um poldro.

“Sou um apologista que o Estado devia ser um fornecedor do próprio Estado e fala­mos dos cavalos que o estado necessita e que recorre a concursos públicos para a sua compra quando o próprio Estado é criador de equinos”. A seu ver deveria haver um proto­colo entre o Ministério da Administração In­terna, da Defesa e Agricultura, pois se já tem a responsabilidade de preservar o património que possui, o juntar essa mais valia à neces­sidade efetiva de animais e neste caso os ca­valos que o Estado necessita, seria ótimo,. Embora reconhecendo que as entidades já reconhecem a mais valia em comprar cava­los das Coudelarias públicas.

Registe-se que a GNR (Guarda Nacio­nal Republicana), é um exemplo no mundo da formação a cavalo. A Jordânia, o Qatar, Omã e Marrocos reconheceram que não con­seguem fazer os seus esquadrões de guarda sem este tipo de cavalo –e sem a experiên­cia da GNR que tem formado militares destes países.. Esta capacidade de entrega só existe no puro cavalo lusitano. Regista Francisco Beja “o cavaleiro pensa e o cavalo executa” é a apoteose do binómio cavaleiro / cavalo , e o fator diferenciador do puro sangue lusitano”. E já nos pergaminhos reais desta casa El Rei mandava publicar para não restarem dúvidas e garante da raça “Que se conserve sempre pura esta raça” 12 de Dezembro de 1812 “Que não se consinta que pessoa al­guma se intrometa com o que pertence às manadas e suas pastagens”

Hoje como há quase três séculos a Cou­delaria de Alter percorre o caminho que se dirige em exclusivo ao cavalo mas que passa, também, pelo desenvolvimento sócio-econó­mico cultural e turístico do norte alentejano.

A 2 de Agosto de 2013, a Coudelaria de Alter passou a ser gerida pela Companhia das Lezírias, SA, tendo-lhe sido atribuída atra­vés de delegação de competências de servi­ço público, a preservação do património ge­nético animal da raça lusitana, quer na linha genética da Coudelaria Nacional, quer na li­nha Alter Real.

Texto e Imagem: Jornal Mundo Portugues

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